sexta-feira, 12 de novembro de 2010

VOX VICTIMAE

Morto! Consciência quieta haja o assassino
Que me acabou, dando-me ao corpo vão
Esta volúpia de ficar no chio
Fruindo na tabidez sabor divino!

Espiando o meu cadáver ressupino,
No mar da humana proliferação,
Outras cabeças aparecerão
Para compartilhar do meu destino!

Na festa genetlíaca do Nada,
Abraço-me com a terra atormentada
Em contubérnio convulsionador...

E ai! Como é boa esta volúpia obscura
Que une os ossos cansados da criatura
Ao corpo ubiqüitário do Criador!

Augusto dos Anjos



REVELAÇÃO

I

Escafandrista de insondado oceano
Sou eu que, aliando Buda ao sibarita,
Penetro a essência plásmica infinita,
- Mãe promíscua do amor e do ódio insano!

Sou eu que, hirto, auscultando o absconso arcano,
Por um poder de acústica esquisita,
Ouço o universo ansioso que se agita
Dentro de cada pensamento humano!

No abstrato abismo equóreo, em que me inundo,
Sou eu que, revolvendo o ego profundo
E a escuridão dos cérebros medonhos,

Restituo triunfalmente à esfera calma
Todos os cosmos que circulam na alma
Sob a forma embriológica de sonhos!

II

Treva e fulguração; sânie e perfume;
Massa palpável e éter; desconforto
E ataraxia; feto vivo e aborto...
- Tudo a unidade do meu ser resume!

Sou eu que, ateando da alma o ocíduo lume,
Apreendo, em cisma abismadora absorto,
A potencialidade do que é morto
E a eficácia prolífica do estrume!

Ah! Sou eu que, transpondo a escarpa angusta
Dos limites orgânicos estreitos,
Dentro dos quais recalco em vão minha ânsia,

Sinto bater na putrescível crusta
Do tegumento que me cobre os peitos
Toda a imortalidade da Substância!

Augusto dos Anjos

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