segunda-feira, 13 de junho de 2011

2. Desejos

Há lugares em que jamais pisaríamos, não fosse a ansiedade por viver e o medo por morrer. Lembro da enorme mangueira no quintal, e que eu subia e descia todos os dias em minha imaginação. Até hoje penso em retornar àquele quintal e subir até o galho mais alto e fino, como o macaco que foge da grande serpente ou do pesado leopardo, fugindo da morte e, ao mesmo tempo, se arriscando, no tombo, a conhecê-la.


É improvável que eu suba nela nalgum dia. Hoje, me submeto aos leopardos e às serpentes e me deixo morrer paulatinamente, por suas picadas e mordidas. E o céu já não me encanta, e o medo da morte já não me hipnotiza. E chegar no último galho poderia trazer a frustração de saber que a escalada não tem tanta sedução quanto a vontade necessária de percorrê-la. E eu prefiro a sedução. E eu preciso levar comigo aquela mangueira intransponível e impenetrável, como símbolo da vontade de chegar a lugares aonde jamais pisaríamos, não fossem o delírio e a precisão dos desejos.


E a imaginação, como porta, enlevando os desejos ...



Mauro Veras


Do livro CONTOS IN CON GRU ENTES (Obra literária sob registro ISBN 83-0615, CDD 861.4 CDU – 861.033, Prosa Brasileira Contemporânea, de 2005).

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