segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

O bom de ser Ruim



Dentro de uma linda gaiola vivia um passarinho, que tinha uma vida segura e tranquila. Nos limites de uma gaiola os sonhos aparecem, mas logo morrem, por não haver espaço para baterem asas.
Restava então ao passarinho ficar pulando de um poleiro ao outro, comer, beber, dormir e cantar. Mas ele pensava: “Assim está bom”.
Do seu pequeno espaço ele olhava os bem-te-vis atrás dos bichinhos, os beija-flores com seu mágico bater de asas, as rolinhas arrulhando, fazendo amor, as pombas voando como flechas.
 Ah! se aquela porta  se abrisse…
E não é que, naquele dia o seu dono esqueceu a porta aberta? Agora ele poderia realizar todos os seus sonhos. Ele saiu e voou para o galho mais próximo. Olhou para baixo e pensou: “Puxa! Como é alto! O chão da gaiola fica bem mais perto”. Sentiu um pouco de tontura. Teve medo de cair, e agachou-se no galho, para ter mais firmeza. 
Viu outra árvore mais distante, teve vontade de ir até lá, mas não estava seguro de que suas asas aguentariam, e agarrou-se ao galho mais firmemente ainda.
– Hei você! – era uma passarinha – Vamos voar juntos até aquela pimenteira? Ela está carregada de pimentas vermelhas e deliciosas. É preciso apenas prestar atenção no gato, que anda por lá…
Ele ficou todo arrepiado só de ouvir o nome gato, e disse para a passarinha: 
“Eu não gosto de pimentas. Assim está bom”. A passarinha então procurou outro companheiro, já que ele decidiu continuar com fome.
Chegou o fim da tarde e a noite se aproximava. Onde iria dormir? Lembrou-se do prego amigo na parede da varanda, onde ficava pendurada a sua gaiola. Teve saudades dele. Teria de dormir num galho de árvore, sem proteção? Gatos sobem em árvores? Eles enxergam no escuro? Tinha também que pensar nos meninos com seus estilingues, no dia seguinte.
Ele nunca imaginara que a liberdade fosse tão complicada. Foi então que sentiu saudades da gaiola, e voltou. Felizmente a porta ainda estava aberta. Ele então segurou firme no poleiro e disse: 
“Assim está bom”. Em seguida chegou o dono, fechou a porta da gaiola e disse: “Passarinho bobo! Passarinho de verdade gosta mesmo é de voar!”.

(Adaptado por Marco Fabossi do Texto de Rubem Alves

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